Fotos

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14/08/2010

Estrelas


Todas as vezes que sento perto da janela para ver as estrelas fico pensando no que tenho feito com a minha vida. Não sou mais nenhuma criança, já tenho meus 21 anos. Sofri tanto para chegar aonde cheguei e me sinto tão triste com tudo isso. Não era para eu me sentir assim. Estudo numa boa faculdade, tenho amigos, minha família é maravilhosa. Tirando uma ou outra coisa que anda acontecendo, tudo está ótimo. Então por que eu me sinto assim? Parece que um vazio me preenche por dentro.
As noites se tornam mais longas que o de costume e já não consigo dormir. Os dias estão curtos demais, não dou conta de tudo que eu deveria fazer. Passo minhas tardes dormindo. Eu sei que deveria ir as aulas. Não que eu não dê valor ao que conquistei, simplesmente me faltam forças para ir. Já à noite, rolo na cama e nada me faz pegar no sono. São nesses dias que venho para perto da janela, ver estrelas. Tento refletir sobre a minha vida, o que tenho feito com ela. Não consigo ordenar muito bem as ideias. Sei o que deveria estar fazendo, mas não sei onde realmente estou. Tudo parece meio confuso, meio nublado.
Nos dias em que consigo ir às aulas, levanto melhorzinha, desvio das pessoas na calçada. Elas passam com suas vidas alegres, sorrindo para o sol posto em cima de suas cabeças. Não acho graça nisso. Queria que essas pessoas sumissem, saíssem de perto de mim com seus lábios risonhos e suas gargalhadas estorvantes.
Ninguém sabe o que eu estou passando. Ninguém que passa por mim na rua sabe. Ninguém que ri alegremente espirrando saliva em suas risadas gritantes. Só eu sei. Só eu choro sem porque abraçada ao meu travesseiro quando mais ninguém está por perto. Só eu passo horas no banho por falta de vontade de sair dali e voltar a essa vida ridícula. Só eu olho as estrelas de madrugada e não vejo nada. Só eu.
Queria poder contar para alguém o que venho passando, o que venho pensando. Não tenho para quem contar. Acho que vou atrapalhar essas pessoas com meus problemas banais e que não as dizem respeito. Isso tudo só diz respeito a mim, só eu devo cuidar desse assunto. Só não sei como fazê-lo.
Tento ler um livro, ver um filme. Tudo parece tão estúpido, tão inexpressivo. Falta algo que me segure à vida comum, aos gostos normais. Não sei como voltar ao que era antes. Na verdade, nem sei como cheguei ao estado em que estou.
Me sinto num mundo paralelo, por trás de um vidro blindado onde ninguém mais me escuta. Vivo sozinha num nimbo sem esperança e cinza. Um nimbo que eu mesma construí para viver. Levantei minha casa em pedras lodosas, no alto de um barranco. Só eu vivo ali. Sem vizinhança, sem pessoas nos arredores. E agora já não consigo descer. Eu escolhi assim. Esse foi o meu destino final. Já não sei como sair dessa fumaça densa que me cerca. Meu mundo agora é esse. Não me resta fugir para outro lugar, só me resta viver longe das estrelas.
As estrelas, aquelas que eu via pela minha janela, essas se foram há muito tempo, já não as posso ver mais. Vivo agora num lugar escuro, sombrio e frio. Vivo no fundo de uma vala gélida, depois de sair da vida por entre a fumaça densa de uma doença sem razão de existir. Mas existe.

11/08/2010

Bullying


Acho interessante ver o mundo por debaixo d’água. Parece um mundo totalmente diferente desse em que vivemos. Lá é mais calmo, silencioso. Vai ver que nem é diferente, sou só eu mesmo que sou diferente. Bem que eu gostaria de não ser assim como eu sou, mas não sei como ser comum, igual a todos os outros. Teve uma época que eu era igualzinho a todos, pelo menos eu acho que era. Até a minha quinta série, nunca tinha percebido que eu era assim, meio inaceitável. Acho que sou meio burro, meio feio, meio estranho, assim como meus amigos me chamam. Todos os dias de manhã, acordo para ir à escola e lembro do que eu terei que passar. Meus amigos novamente irão me lembrar o tanto que eu sou horrível. Não sei o por quê de eu ter que ir lá todos os dias, não consigo aprender mesmo, sou tão burro...
No começo eu até brigava e me irritava com todos aqueles xingamentos que eu achava serem sem fundamentos. Mas depois, parei de duvidar, eles estavam certos. Eu queria ser somente um menino de 15 anos comum, assim como meus amigos, quem sabe eles deixariam eu entrar para a turminha deles e parariam de falar que eu sou feio e burro.
Ultimamente tenho me sentido estranho. Me olho no espelho e não me reconheço. Então me olho mais de perto e vejo somente um monstro horrível. Meu nariz é enorme, minhas espinhas sobressaltam. Realmente, meus amigos estão certos. Todo dia de manhã faço a mesma coisa, me olho no espelho e vejo que a cada dia fico mais monstruoso. Perco a vontade de ir a aula ao imaginar o quanto meus amigos irão me xingar e me bater por eu estar cada dia mais feio. Já não sei mais o que fazer.
Toda vez que vou sair para a aula, tento o mais que posso ficar parecido com eles. Ponho boné, roupas largas. Fico horas tentando melhorar meu visual para poder entrar para a turminha, mas quando eu vejo que nada disso adianta, acabo ficando tão nervoso que vomito e prefiro não ir à aula. Acho que meu lugar é em casa.
As vezes, não consigo despistar meus pais e eles me forçam a ir a aula, encontrar com meus amigos. Na sala de aula eu prefiro tentar ao máximo não ser notado. Não saio no recreio, não lancho, não me mexo. Mas, mesmo assim, eles continuam a me mostrar o quão desprezível eu sou. Fico tão nervoso que às vezes suo, mas não faço nada, afinal eles estão certos, eu sou um monstro.
Minha mãe anda preocupada comigo, me levou a vários médicos. Todos me acham estranho, assim como meus amigos. Me passam remédios, me falam coisas estranhas. Meus pais brigam comigo, falam que eu tenho que sair de casa, ficar mais sociável. Mas como vou sair de casa se sou uma pessoa tão ruim, burro, feio e idiota? Prefiro ficar quieto, quem sabe assim não incomodarei mais ninguém com minha presença.
Ultimamente tenho tido pensamentos estranhos. Tenho ficado muito triste e já não sei o que fazer mais com minha vida. Vivo em consultórios e agora meus amigos já não me querem mais na sala de aula com eles, acham que eu não sirvo para freqüentar os mesmos lugares que eles.
Tento entender o porquê deles fazerem isso. No começo eu era diferente, então tentei mudar, ficar igual a eles. Depois eu vi que não estava dando certo, resolvi ficar quieto, sem atrapalhar ninguém com minha monstruosidade, mas não deu certo também. Tudo que eu fiz foi somente para agradá-los, mas, depois de tudo isso, eles preferem não compartilhar comigo as mudanças pelas quais passamos juntos? Por isso que eu acho que debaixo d’água as coisas são diferentes daqui, nunca ninguém me chamou de monstro ou qualquer coisa parecida. Quem sabe meu lugar não seria em um lugar assim ou, quem sabe, em lugar algum.
Desculpe a todos por existir.